terça-feira, 26 de abril de 2011

Das Arapucas

Nunca pisara no asfalto, naquele chão
anoitecido para sempre,
por causa da horta e das galinhas.
Quem haveria de tomar conta
de seus hábitos, acaso fosse?
- E capital não é lugar pra velhos!
Resmungou.

domingo, 17 de abril de 2011

Fotos de um agosto reveladas em abril (Marta Eugênia)

A madrugada desliga brinquedos
e o silêncio pega a noite pra pensar.
Clico com os dedos, ponho palavras em poses.
Mas vem do ouvido da janela o ofício de um galo
que não se quer esquecer.
Era uma vez um galo lusitano numa lata de azeite
que veio pra cá há muito tempo daqui. (eis um close)
Era outra vez tia Cococa numa cozinha distante
rodelando o vermelho dos tomates e o branco das cebolas,
em paciência, sobre alfaces na travessa:
"Pedro não vem comer por estas bandas hoje não".
"Azeite!" (voz do tio Zacarias)
Azeite e Aceite é a mesma coisa mesmo em línguas diferentes.
(eis um zoom)
Minha forma inventada por meus pais inaugurou-se num agosto
no ano de sessenta e cinco, bem no dia vinte e dois.
Por isso gasto os folclores, fados dançam meus nervos,
sacis seduzem marchinhas, fui anjo de procissão,
mas perdi meu catecismo pra foto da comunhão
e o padre ralhou comigo.
O meu primeiro poema já sabia olhar pra trás,
uma saudade danada de tudo que carecia
do olho vivo de palavras pra poder mexer no tempo
sem virar estátua de sal.
e de tudo que escrevo há um traço indefeso
dos retratos.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Degradé - (Marta Eugênia)

A claridade especifica os objetos do mundo.
suas formas vão ressurgindo,
olhos meninos de susto contente
desvendando a caixa do brinquedo
que ainda não existiu.
As células não reinventam seus poderes de expansão?
Por tantas vezes antigas, noviças,
os versos se acendem pra mim...
Um calor arrecada a minha pele,
determina a voz do manto, esse momento.
Desmancho paisagens perniciosas, mata-borrão, patavina...
Invento outra vez o que já tive:
Meu pai mal-acordado catando sol no quintal,
minha mãe agindo um café,
um cheiro de pão dando leste à cozinha.
Tudo em claro poema pródigo esbanjando
o meu amor.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Apostasias - Marta Eugênia




Então, devo pedir perdão a ti ou a mim mesmo?
Ou a questão não se desinibe em perdão?
Mas algo me dói quando te ponho
em letras minúsculas dentro dos versos meus,
mesmo quando a gramática refuta!
A infância veio?
Não. Não estou num “pé de laranja lima”,
alguns recados se foram pela floresta adentro
e a canção não deu sinal.
No teu mundo tudo podes.
Dizem...
 O meu não sabe quando é meu.
Transformo tudo em perguntas.
Transformas água em vinho.
Dizem.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Uma coisa puxa a outra

Uma coisa puxa a outra (Marta Eugênia)
Envio meu corpo amontoado de alegria e ânsias
à varanda, ao quarto, à sala, à cozinha...
Nenhum vão me surpreende.
Imagino aflita em grandezas quantos navios
um homem pode suportar...
Oh, sim, é certo que pressinto que ele vem
e que também não sei o vão.
Terá sido desviado de uma moça embarcação?
As inquietudes remanescentes 
aplicam-me golpes certeiros.
A mulher que penso constar nas partituras da casa
se irrita com os instrumentos.
Não acha gosto e em nome disso não varre,
não lava, não limpa...
ocupada em selecionar a palavra que explica aquele lugar...
e a pergunta sai de minha boca em ira de tubarão:
mas em que parte no “País das Maravilhas” ele pode estar, meu Deus?
E o poema responde surpreso em me apanhar:
“Nos pequenos grandes bichos embalados
nas roupas de baixo do mar, já que falaste em navios”.