quarta-feira, 11 de maio de 2011

O prato do dia

Deixei a palavra na minha cozinha
cozinhando tudo.
Talheres foram vistos a obedecê-la,
pratos engoliam alimentos com ares semânticos,
xícaras bebiam café soletrado e doce,
copos carregavam suco de modo vocativo
como uma santa num andor.
Assim, a palavra fuçou, lambeu, bebeu, comeu
e mais verbos cometeu para substantivos.
Ia pra sala, mas preferiu a porta dos fundos
ao dar de cara com a gramática na estante
com uma borracha na mão, toda sintática.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

As letras minúsculas (Marta Eugênia)

O dia tartarugou o quanto pôde
até desfazer-se do verniz.
Os quadros da sala retiraram a voz das paredes,
obstantes.
Havia um tiro certeiro da solidão na paisagem da tela.
Ou balas perdidas em existência e confusão
na mobília que decorava a personagem sem rosto.
Assim, pelos olhos, engasgava-se com palavras,
atravessadas na garganta feito um osso;
e não podia engolir algumas delas.
Então, na cozinha, ela apagou o fogo,
a ebulição do molho cessou.
Enfim, podia chorar.
Agora viria uma noite que rastejava em lagarto,
a interpretá-la.
Porque ossos eram exatos e a carne temperada de indecisão.
Não eram sobres as mesas expostas as ceias, as refeições?
Observou formigas embaralhando migalhas de pão
na toalha xadrez, grata pelo chão das miniaturas.
Era outro solo possível para se pensar.
A campainha tocou enquanto ela abria o vinho.