quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

GIRASSOL

Dentro das horas, as coisas se movem
e fora dos trilhos, quem tem ideia
do que vem a ser um dom?
Mas, se me pirilampam aqueles olhares
já dantes esmiuçados nos capins eretos do campo,
na força bruta do bezerro sugando vida,
retomo o pilão das apostas em grãos. . .
E desperto o rebanho, vou dar de beber
aos cavalos, descancelar o curral
pra levantar o voo do cheiro estrumado
do solo.
A manhã acorda seu banho brilhante,
põe a sapatilha e lança sua brisa de cristal.
Desembaraça os pelos das árvores,
cospe as constelações das rédeas pontilhadas
pra outros despertadores. . .
Faço sim com a cabeça, como boa menina,
à ordem dos pergaminhos.





CONDIÇÃO PARA UMA FORQUILHA

A folha seca e só
Confiou-se à formiga.
Tal era sua condução...
A formiga entregara-se também
À folha ou ao inverno
Tal era sua condição.


CASCAS PARA UM CAROÇO

A janela bate, enquanto escrevo.
A rua lá fora parece ciente e quieta
do vento inconstante.
Compartilhamos do mesmo condado
e enfrentamos, a rua e eu,
as mordaças do domingo. . .
A palavra me aparece na porta da frente,
queixosa por um dente e uma dor enfiada nele.
As sobras que não descem pelo ralo,
o caroço de mim que pousa no estômago. . .
Machuquei um homem por legítima defesa.
Talvez eu acorde no meio da noite
aceitando mais paciente a dor, o dente
e sua raiz maltratada, sua polpa aos berros,
a palavra queixosa, agora de porta em porta.
Mas não sinto o garimpo das certezas.
Fiz um homem doer, baixar o rosto
e derreter o sol que apareceu quando me viu.
Ainda há o caroço especulando uma culatra pra sair.



ACEITAÇÃO

Lá fora a chuva insiste em molhar a rua
e lavar o nome de uma história sem boca
por teu ou até meu silêncio que foi dito e feito.
Hoje, por hoje, eu chamo a vida com meu grito sem trajes,
encaixando meu amor sem nome
no lugar que eu quiser.
És um pronome que eu nem sei,
um sobrenome que nem vi, não escutei...
Mas é tão bom, mesmo assim,
porque sei que tantas coisas se exibem
e posso enviar o que sinto:
meu segredo sussurrado nas folhas,
nos bichinhos que só conhecem o chão.
Nas frutas adaptadas às árvores do mundo.
Na batida de carros me puxando a atenção,
nas lições sem fim que encomenda o cotidiano.
Com essa de agora:
A alegria sóbria de amarrar os cabelos sem contrações
e varrer a varanda pra dar lugar a poeira
de qualquer outro momento.

Entre a flor e o espinho

Não sou eu que crio os versos, não invento poesias,
é a poesia que se inventa pra mim, atormenta meus ouvidos
e anuncia seu corpo móvel no papel, me manda recados,
diz que eu preciso é de ócio em nome de minha paz.
O pão de cada dia que devo percorrer
me enche de angústia e ansiedade
e a poesia me vence, perco a hora, não participo dos ritos,
ganho sermões maternos.
E quando choro me agradam com conselhos
Do mundo capital.
Invento remorsos para não magoar os meus.
As tarefas me cobram cuidados
Mas é a poesia quem cuida de mim.

PASSATEMPO

O tempo não se conta quando passa.
O rosto, os olhos, mãos e pés
contam-se nos dedos
cada vez que o espelho aparece.
Na companhia dos muitos dias,
haverá lerdeza de passos,
desmemorização de coisas e surdez de vozes...
E nem adianta quebrar o espelho da sala...
De estar.