quinta-feira, 10 de março de 2011

Conversando com os Poemas

Arapiraca, 12 ou 13 de dezembro de 2011. Porque qualquer coisa que se começa, inicia-se em algum lugar do tempo registrado pela suposta realidade humana. Porque cremos contá-lo com números nos relógios, calendários, nossos materiais concretos. Porque as datas sugerem controle do medo de um barco à deriva no grande mar que é viver.


Mulher ao cair da tarde – Adélia Prado

Ó Deus,
não me castigues se falo
minha vida foi tão bonita!
Somos humanos,
nossos verbos têm tempos,
não são como o Vosso, eterno.

Bebemos, comemos, pensamos, oramos, tocamos, ouvimos, sonhamos, acordamos, paramos... Mas, como todos os humanos vivos, morremos. “Nossos verbos têm tempos”, como afirma nos versos a poetisa Adélia prado.

Ao rogar a Deus que não a castigue por afirmar “minha vida foi tão bonita” Adélia utiliza a posição do verbo “ser” no pretérito perfeito do modo indicativo nos versos, assim, aponta a possibilidade de indicar a beleza causada pela juventude. O cair da tarde sugere um por de sol. Uma mulher no por do sol, é uma mulher mais experiente, mais velha, mais perto da noite, portanto, aproximada da morte. O tema da morte é bastante usado por Adélia em outros poemas e esta palavra sugere uma outra: vida. Sugere ainda que talvez houvesse mais vida na juventude, mais beleza, apesar de não constar a palavra “morte” no poema. Por pertencer também ao verbo “ir”, pois a conjugação deste verbo é igual ao verbo “ser” no mesmo tempo acima citado, abre-se uma perspectiva de “ida” ao passado para a comparação com a situação do presente. Nesse sentido, causa uma idéia filosófica de movimento em relação ao tempo. Uma astúcia para poucos no manuseio da língua. Ela foi porque era e foi porque ia. Dizendo de outro modo, ainda mais descontraído com a linguagem, ela parece me dizer que teve a vida tão bonita (foi do verbo ser) e que entregou-se e viveu essa beleza com prazer (foi do verbo ir).

Ao usar “falo” nos primeiros versos do poema, o verbo está na primeira pessoa e no presente do modo indicativo, o que manifesta a força do presente, o agora.
Aqui, beleza e juventude ganham um grau de intimidade muito forte na linha do tempo por uma questão da percepção do “ocaso” e não do “acaso”. É como se atentasse para o uso de um pretérito perfeito em busca do pretérito imperfeito, afinal, este último possui características que avançam no tempo e podem voltar a acontecer, daí a “imperfeição”.

Contudo, vale a pena sair de tempo dos rastreamentos técnicos para as pernas que a beleza assume em passear na poesia. E então respirar a religiosidade presente no eu - lírico quando usa o vocativo e roga a Deus para não ser castigada por sentir saudade da juventude, da beleza que acompanha a tenra idade. Roga para que não haja punição por se dar colo, retendo o pretérito para não se afastar do que é bonito. E escreve de um modo poético tão sentimental que a velhice vai para o outro lado da rua, longe da solidão, das fragilidades do corpo e assume um ar saudoso, melancólico, bonito. O belo e o jovem mesclam-se no poema e adquirem mais vigor juntos, pois lá no pretérito do ser humano existe um coração que bate pela alegria de viver. E podemos atravessar no tempo pela memória.
Comparar nosso “tempo” com o tempo divino nos enche de poderes para as lembranças, já que não somos eternos. No entanto, somos mnemônicos, temos o dom e o direito à saudade, sentimento que não vale para todos os “bichos”. Entregar-se a lembranças é um meio de nos consolar e caminhar ao lado da esperança. Lembrar é vagar na estrada do tempo, sair do lugar mental do agora, puxar o freio de mão e fazer o retorno para onde deixamos o que vivemos de bonito. E não custa nada aproveitar neste momento Chico Buarque quando refletiu: “a saudade é o revés de um parto”.
No interior de Minas gerais, em Divinópolis, nasceu Adélia prado no ano de 1935. Ela tinha mesmo que ser do “interior” e de inaugurar-se num lugar onde o nome deriva da raiz de algo “divino”. E bem viva no corpo e na alma, mas sua poesia é exposta de um modo tão “perfeito” que já experimenta garantias de imortalidade.

2 comentários:

  1. Cara professora,

    Este matuto saiu lá dos grotões próximos de Ribeirão Preto-Cravinhos (SP) e se meteu por Arapiraca (AL); só para sentir Vossa Presença!

    Analise; por favor!

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  2. O Ribeirão pode ser preto por agregar tantos Cravinhos. Sempre bem vindo sabia? Aliás, Arapiraca tem significado de uma essência que diz que "é árvore que pássaro pousa". Pousaste aqui também...Dizem que "São Paulo é o mundo todo",Benvindo!!Quanta honra para mim, para nós daqui.

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